segunda-feira, 14 de maio de 2007

Mudar por outros

Começa-se matando aulas de música para se ter mais tempo de encontrá-la. Logo isso evolui para sair do curso como um todo, com a justificativa louvável de não estar mais indo às aulas. Depois, toma-se a decisão de não participar daquela apresentação em que você marca presença há mais de cinco anos, visto que os ensaios ocorrerão aos sábados, dia sagrado para vê-la. Isso se segue a uma breve visita à escola, para acabar com todas as pendências oficiais e pagar aquela gaita vagabunda que você comprou fiado faz um tempo.


Naturalmente, isso evolui para um lento e seguro distanciamento de seus conhecidos do curso, que passam a perguntar por você - primeiro, via scrap; depois, via colegas. Você logo se percebe isolado de um dos hobbies que mais contribuiu para a construção de sua identidade e auto-estima, na medida em que sua habilidade na atividade declina com o transcorrer do tempo. Qual sua opinião a respeito? Algo entre 'pois é' e 'não poderia me importar menos'.


A maioria das pessoas acharia este quadro perigoso, digno de alguém sem personalidade, desejoso de agradar, capaz de colocar interesses de outro acima de seus próprios. Um capacho, certamente. 'Tadinho dele: ele não se valoriza'.


Será? Se eu não quisesse freqüentar o curso, eu deveria continuar nele, de qualquer modo? Se eu encontrasse algo a que quisesse dedicar o tempo a ser gasto no curso - digamos, jogar purrinha contra eu mesmo até conseguir perder -, estaria eu cultuando minha individualidade ao permanecer no curso?


A maior parte das pessoas diria uma frase genérica com sentido equivalente a 'entre jogar purrinha sozinho e ir no curso, você deveria ir no curso, porque isso te acrescentaria algo'. Se eu seguisse esse maravilhoso, sapientíssimo conselho, será que estaria sendo fiel a mim mesmo e às minhas vontades e necessidades?


A resposta ao dilema do que fazer é uma só: 'eu quero, eu faço'. São poucas as perguntas e circunstâncias que permitem, de forma responsável, uma afirmação tão libertadora, e essa é uma delas. Se o curso se trata apenas de uma diversão, por que diabos haveria eu de gastar meu precioso tempo com uma atividade que não me agrada ou acrescenta mais do que minha tão-desejada purrinha comigo mesmo? 'Porque todos dizem' - seria essa a resposta? Eu devo acatar placidamente ao julgamento alheio, que define minha auto-purrinha como algo que não me acrescenta?


Pessoas mudam por traumas. Pessoas mudam por idade. Pessoas mudam por momentos e aprendizados. E, sim, pessoas mudam por outras pessoas. Todas essas mudanças, contudo, ocorrem apenas por conta de se querer mudar. Só muda quem é verdadeiro a si mesmo. Digo isso com a certeza da ignorância da unanimidade.